Segurança Alimentar

Pão francês, bolo inglês, pastelzinho português e torta holandesa. Tá na hora de valorizar um brasileiro: o milho. Esse é o mote principal de recém-lançada campanha de incentivo ao consumo humano do milho, promovida pela Abimilho: o milho é melhor! Cultivado na América desde os incas e astecas, o milho tornou-se, juntamente com a mandioca, prato básico do brasileiro. A modernidade, entretanto, colocou-os para escanteio, depreciando sua culinária, substituída pela farinha de trigo. Com isso expôs o País à dependência externa.

Desde a 2.ª Guerra, surgiu na Europa o conceito da segurança alimentar. Em síntese, significa uma política de apoio à produção local visando a garantir a oferta de comida para seus povos. Bom para os consumidores, ótimo para os produtores rurais. Essa é a origem do protecionismo agrícola: garantir a produção de alimentos e, simultaneamente, manter sua população rural, sustentando o emprego no campo. Na Europa, bem como no Japão, inexiste "ruralismo": todos os cidadãos defendem o agricultor, para que permaneça onde está, produzindo e cuidando da paisagem rural, ajudando as cidades e o lazer. O agricultor tornou-se multifuncional.

Por aqui, a privação de comida decorre não de guerras, mas da pobreza histórica e das desigualdades sociais. De qualquer forma, especialmente após o Fome Zero e a criação do ministério extraordinário para tratar do tema, a segurança alimentar se incorporou à política nacional. Isso é muito positivo. 
Uma boa conseqüência deverá ser a valorização do produto nacional. Quanto mais os brasileiros se alimentarem do fruto de seus próprios agricultores, buscando a auto-suficiência, tanto melhor para a Nação. Desde é claro, que não onere os contribuintes.

Essa equação depende, de um lado, da capacidade produtiva e, de outro, dos hábitos de consumo da população. Aquinhoado pela natureza, por solos e clima favoráveis, na produção agropecuária o Brasil mostra potencial inigualável. A pesquisa e a tecnologia evoluem brilhantemente, fazendo vislumbrar cenários que, finalmente, poderão realizar o velho chavão do "celeiro do mundo".

Quanto aos hábitos de consumo, o assunto é mais nebuloso. O gosto dos consumidores traz influências de suas raízes culturais e depende, no jargão econômico, dos preços relativos. Com a mídia se usam a propaganda e o marketing para mudar a cabeça das pessoas. Há, entretanto, formas mais sutis de alterar o consumo popular. Um bom exemplo ocorreu com o trigo.

Nos anos 1950, estimulado por seus triticultores, o governo norte-americano passou a distribuir gratuitamente o cereal, inserido em políticas de combate à pobreza. Havia grande capacidade de produção e seus estoques estavam elevados no pós-guerra. Progressivamente o trigo ganhou mercados pelo mundo chamado subdesenvolvido, da África à América Latina, tornando-se o cereal mais consumido no mundo.

Esse processo arrebentou hábitos de consumo tradicionais. A farta disponibilidade do trigo importado artificializou o consumo, especialmente das camadas pobres. Na década de 1980, pesquisas nutricionais mostravam que o trigo ocupara o primeiro lugar na mesa dos habitantes de Manaus. Parece mentira! 
A distorção alimentar causada pelo elevado consumo de trigo tornou o País altamente dependente das importações. Entre 5 milhões e 6 milhões de toneladas eram importadas anualmente, custando caro ao País. O governo tentou um programa de auto-suficiência. Elevados subsídios passaram a ser direcionados para cobrir a diferença de custos entre o trigo nacional e o importado. Entre 1967 e 1983, US$ 25 bilhões foram desembolsados pelo Tesouro em subsídios ao trigo.

Em 1989, Collor liberalizou o setor, ocasionando drástica redução da produção interna. Mas os níveis de consumo aumentaram. Resultado: cresceram as importações, responsáveis por 70% do consumo. Progressivamente, graças à pesquisa agropecuária, que desenvolveu variedades mais bem adaptadas, elevando a produtividade das culturas, a tendência se inverteu nos anos 1990. Hoje, graças a uma safra excepcional, estima-se colher 45% do trigo consumido no País.

Nunca se questionou a origem do problema: a exagerada ênfase no consumo do trigo. Apenas agora surgiu essa pitada de nacionalismo na comida. Na onda da polenta, a campanha pode crescer para as frutas tropicais, a cebola, o guaraná, queijos, etc. Garante-se, assim, o emprego por aqui. Cabe ao governo, também, entrar nessa parada. Em recente licitação para aquisição de cestas básicas, a Conab, órgão do Ministério da Agricultura, privilegiou o trigo contra o milho. Foram adquiridas 182 mil cestas, cada qual com um quilo de fubá de milho, dois quilos de macarrão e dois quilos de farinha de trigo. Os destinatários das mercadorias são os acampados do MST, cujas lideranças adoram afirmar que são socialistas caboclos. Pois vão comer trigo do Tio Sam!

Não está errado comer trigo, macarrão e pão branco são excelentes alimentos. 
Graças ao seu consumo, barato, certamente muitos brasileiros ingeriram calorias e proteínas que lhes faltavam. Equivocado, porém, é desprezar o produto nacional, a exemplo do cereal amarelinho.

Estimulando o consumo humano e, ademais, planejando bem a produção do milho, haveria um efeito notável no combate à fome. Componente fundamental das rações animais, o milho barato faria cair o preço do frango, do ovo, da carne suína e do leite. Sem cupom algum, milhões de brasileiros se alimentariam melhor. Com o selo verde-amarelo na comida. 

Estadão